17.9.11
fim da monção
Pareceu-lhe que o Mundo iria acabar-se em água. Havia duas semanas que o céu lhes negava clemência. Aquela terra, antes tão seca e estéril, transformou-se em uma torrente furiosa de lama e água que inundou os sonhos daquele lugar esquecido por Deus. Da janela torta daquele barraco de madeira que ainda era a sua casa, ele observava o que havia restado do seu lugarejo. Entranhadas em lama, as ruínas de casas mais sólidas e importantes que a sua ficavam ali, caídas, caladas, moribundas. Ao longe, viu a água tremeluzente do rio escuro e a árvore equilibrada em suas raízes. Haviam sobrevivido. O rio havia voltado para as suas margens, mas tudo havia desaparecido.
E não se via vivalma.
Ele tinha quase a certeza que todas as vidas daquele lugar haviam sido lavadas com a enxurrada. Ali, em algum lugar, imersa em escombros e lama, uma multidão de almas procurava o caminho para o purgatório. Mais uma vez ele estava só, abandonado no silêncio tenso após a tempestade. Mas a sua casa pobre ainda estava em pé. Nem mesmo a chuva se lembrou de a levar.
Então, calado para não acordar a nuvem que dormitava distante no horizonte, ele velou os campos devassados pela tempestade. Nem restou pouco do pouco que tinha. Nada lhe ficou e ninguém lhe sobrou. Só lhe restava o direito de continuar e a graça a todos os outros negada. Revisitou então o encanto do nada e o valor do recomeço. Apenas isso lhe bastou. Não se prolongou na dor da perda.
Pegou o saco com os poucos pertences que tinha e agarrou com a mão calejada a enxada cansada de guerra. Em passo firme saiu pela porta velha e vermelha do seu barraco de madeira, que desmoronou logo atrás de si. O vento quente e úmido bafejou sua cara. A luz cor de cobre do sol moribundo pintava o céu já limpo de nuvens. Sua sombra parda se estendia para bem longe de si, apontando o caminho a seguir.
E apenas seguiu.
Só.
Em busca da próxima chuva.
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