10.7.13

mar amargo




"Neste infinito mar amargo, em que não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos, apenas importam as coisas que podemos carregar em nossa alma eterna. O amor é a mais preciosa de todas elas. Só o amor é capaz de nos manter à tona, firmes nas ilhas de felicidade que encontramos pelo caminho. Só o amor cura, regenera e salva. Apenas ele nos sustenta durante toda a nossa jornada."

em O perfume de Amália, por Lucas Odersvänk

9.7.13

atlas


eu quero gastar os dias com você
até que as nuvens se cansem da nossa felicidade
e decidam chover
para se infiltrar no vapor dos nossos corpos
e então morrer
em algum lugar perdido no atlas da saudade

6.7.13

liberdade flutuante


olho a liberdade que flutua fora da minha janela
vejo os pássaros verdes que viajam com o vento
sinto o sopro livre das suas asas em meu rosto
eles irão para onde vai o tempo
pego a flor amarela que gravita para dentro do meu quarto
traz a memória das raízes, do lento germinar da semente
devolvo-a de volta ao vento 
ele que a sopre para o útero da terra quente
olho então para a nuvem que vagueia pelo azul
onde o branco se dissolve em torrente 
que cada gota de chuva fosse eu
levada na asa do pássaro
no coração da flor
para um lugar distante
para longe
para sempre

30.6.13

o caminho


o destino é uma veia que pulsa
em direção a algum lugar insondável
perde-se no labirinto dos sonhos
e coagula no inverno dos medos
olho a veia azulada no meu pulso
um rio sinuoso que desagua no coração
cada batida é o ponteiro da bússola
que aponta para o sul do destino
para algum lugar perdido no sonho
para o inverno que mingua
no silêncio da bruma
no fim do caminho

o medo


decidi que queria derramar-me por aí
pelos caminhos de nuvens, pelo mundo
queria estar em todos os lugares, e em nenhum
permanecer envelhece, calcifica devagar
prontas, as minhas asas interrogam-me 
mas eu olho para a gota de chuva 
que cai, seca, e retorna à nuvem
 o mundo queima debaixo dos meus pés
e eu temo apenas cair e secar
não ter a coragem da chuva
e jamais regressar


7.6.13

o infinito


atravessas  o mar amargo à procura de coisas que não tens
procuras eternidades que apenas existem em teus sonhos
esqueces-te que o passado e o futuro encontraram-se no presente
e te desiludes quando descobres que o efémero sustenta o mundo
observa o caminho por onde andas
olha bem para onde vão as nuvens
elas não lamentam o ontem ou o escurecer do céu azul
para elas bastou o momento ligeiro da sua existência
que se dissolve na chuva que molha os teus cabelos
olha a tua pele bem de perto e afunda-te em ti mesmo
descobre nas tuas células um infinito de universos
és um momento breve que acaba amanhã
feito de água, sal e semente
serás infinito no que te cabe
em um lugar eterno chamado sempre


21.2.13

fogo


 Vermelho.

Por detrás da cortina fina de suas pálpebras, ele encarava aquele espectro púrpuro que lhe beijava o rosto com sua luz quente. Era o sol que já sangrava no horizonte, afogando-se lentamente na escuridão. Uma orquestra de centenas de cigarras abafava o barulho dos carros, das obras, engolia o bulício da rua no fim da tarde. Enquanto todas aquelas pessoas lá em baixo lutavam para voltar para casa, após um dia duro de trabalho, Felix começava o seu.

 — A noite vai ser quente murmurou para si mesmo, saboreando o calor seco.

29.1.13

prólogo do nada



Sol. Sal. Seca. Essas eram as três palavras que ela mais odiava. Pobre habitante daquela terra inóspita, esse ódio visceral ser-lhe-ia perdoado pelos deuses, eventualmente. Era isso que carregava na mente a cada passo que dava; passos descalços sobre a terra ardente, com sede de chuva.

Carregava na cabeça uma lata enferrujada, pesada de água turva e salobra, arrancada de uma fonte quase seca. Com a força de um frágil titã, ela caminhava por aquela estrada sem sombra, sem margem, sem pena. Jamais vacilava no seu passo, cansado, mas firme. Ele estava à sua espera, bem o sabia. Teria sede e fome, com certeza. Naquele horizonte turvo de poeira, ela via com clareza o seu menino à sua espera.

- Dai-me forças para chegar... – murmurava baixinho, como uma prece, sempre que as forças lhe ameaçavam faltar.