O inverno rugia uma promessa de tempestade. Nuvens de chumbo dançavam no céu noturno, ditando a fúria dos ventos gelados que castigavam a cidade. Tímidos trovões já começavam a mostrar as suas garras, estremecendo o céu pesado com o seu mau humor. A chuva estava próxima, eles conseguiam sentir isso na eletricidade fria que invadia o ar.
Dante e Beatriz estavam perdidos pela cidade. Perdidos um do outros e de si mesmos. O calor do espaço entre os seus corpos dissipara-se em um tempo distante, abrindo espaço ao frio que já lhes vitrificava o sangue do coração.
Ele lamentava o momento em que a deixou ir, sofria pelo instante em que não fora capaz de ser suficiente, de preencher o vazio que uivava naquela alma insondável. Ela lamentava ter partido, amargava pelo seu estado líquido, impossível de ser contido ou de pertencer. Mas essa era a sua natureza, ele não a amaria se fosse diferente. As suas almas queimavam, e o gelo da noite era o seu único consolo.
Dante caminhava sem rumo, pedindo ao céu que desabasse, que o dissolvesse em água escura que se perderia no rio, sem memória, sem passado, sem dor. Agradecia o frio que invadia a sua pele, a sua carne, que lhe penetrava os ossos como agulhas de inverno. O beijo úmido do vento gelado anestesiava a sua angústia, mas não era suficiente. Em desespero, arrancou a sua camisa e lançou-a ao vento. Dante precisava do frio, do gelo, queria ser o próprio vento do norte.
Os olhos da cidade o observavam com indiferença, e Dante sentia-se um fantasma pálido que vagueava sem destino. Deu por si na ponte,
aquela ponte. Caminhou pelo estreio passeio de pedra gasta sem olhar para baixo. Quando os passos foram suficientes, parou, encostou-se ao guarda-corpo e olhou para baixo. Havia ali um rio. E uma memória.