19.5.14
encontro
Quando encontrou aquele outro coração que parecia ser gêmeo ao seu, entendeu que todos os outros haviam sido figurantes em uma história onde apenas cabiam dois protagonistas, e um final que tinha tudo para ser feliz.
18.5.14
a noiva do céu
grito
sopro do coração
partida
17.5.14
olhos
sonho de pássaro
Aquele azul-livre rosava em suas veias igualmente azuis. O rosa-carne do céu pulsava no seu corpo de nuvem, impossível de ser contido por dedos que não fossem mais leves que a sua própria existência. Era exatamente assim que conhecia a liberdade. Lembrava-se vivamente do horizonte a seus pés enquanto rumava em direção ao nunca, voando livre pelos caminhos de vento.
tristeza
Olhou para aquelas raízes secas que brotavam em seu peito e lembrou-se daquela semente mal nascida que lá plantara. Ficara por ali, murcha, tentativa de flor. Beberia o sal dos olhos, até o dia em que fosse arrancada, lentamente, até o fim.
amores
Tropeçavam pela vida através de caminhos improváveis, gastando-se como pedras de sal em água parada. Esbarraram um no outro como que por acidente, e acidentalmente se encaixaram pelas partes gastas, como um quebra-cabeças impossível. Tornaram-se um só corpo que se completava pela falta, inexplicável ao olho nu, apenas possível no segredo do coração.
(sal)dade
Os seus olhos perdiam-se longe naquele breve momento em que o mar tocava o céu de forma rigorosa e profunda, como se aquela linha tivesse sido desenhada com um bisturi. Imaginava aquele horizonte como um sumidouro de coisas frágeis e inteiramente suas. Coisas que não voltariam jamais.
Ganhara-lhe raiva.
Ainda enxergava, na memória da retina, aquele barco negro que partira havia tempo. Cinco meses ou três segundos, sete dias, onze anos. Não sabia precisar. Havia pouco espaço para rigores no tempo do coração. Mas que coração? Já não o tinha. Fora embora, batendo de leve, quase frio, acolhido nas paredes quentes daquele outro peito com cheiro de sal. Fora nele que se perdera, naquelas noites proibidas. Lembrar-se delas salgava-lhe a ferida da falta. Lembrar doía.
Então, tudo já era um talvez-nada.
abraço
16.5.14
beijo inteiro
Naquele momento não havia palavras que preenchessem o espaço vazio entre os lábios, onde universos inteiros nasciam e morriam na hesitação do fôlego. Mas estava decidido. Aquele não era um lugar para metades, pois o silêncio do beijo pedia-se inteiro.
fogo
9.5.14
o horizonte do nada
Estiveram juntos naquele tempo impreciso, onde a eternidade parecia caber naquelas pequenas voltas dos ponteiros do relógio, que se multiplicavam em horas, dias, anos, vidas. Foi tempo suficiente para entenderem que a eternidade escorria-lhes pelos dedos, e que estar junto era uma questão de encaixe, de momento, de compasso entre as batidas dos corações e dos espaços deixados entre elas. Entenderam, por fim, que o sempre poderia ser nunca, e o nada poderia ter sido tudo.
8.5.14
escritor de sonhos
Em meu sonho, esta inquietação crescia e ressacava como um mar nervoso de preamar. Grãos de areia navegavam em minhas artérias, que pulsavam maresia. Naquele delírio, eu era mais oceano do que pessoa, tentando alcançar as praias dos meus sonhos quase esquecidos. Mas aqui, no cosmo submerso das minhas pálpebras despertas, eu sou apenas um grão de chuva, órfão de nuvem, escritor de sonhos.
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bússola
Na cegueira de seus pés, ela perdia-se nas ruas noturnas dos seus medos. Esquecida do propósito da fuga daquela cela de ossos, onde seus sonhos ameaçaram morrer, apenas se precipitava pelo vazio, onde o eco dos seus pensamentos perdiam-se no nada. Mas no ventre da escuridão, no momento mais profundo daquela noite sem fim, ela olhou de viés para aquele sopro de luz que lhe tocava o umbigo com dedos de gelo. Aquele tímido incentivo instalou-se em seu íntimo como um bússola de certezas igualmente tímidas, mas certas. E o caminho desenhou-se de olhos fechados...
estrada
Na força que se constrói a cada passo, em cada fôlego conquistado ao ar que mingua, na vertigem de não se ver o fim da estrada. É aí, exatamente aí, que mora a essencial razão da caminhada.
4.5.14
3.5.14
2.5.14
felicidade
Que a
felicidade
seja feita
de pequenos
momentos
quando o
peso da
eternidade
for
grande demais
para o
coração.
1.5.14
30.4.14
tua alma
Que tua alma
seja feita
de mar,
nuvem,
maresia e
tantas outras
coisas livres
que não
saberei
explicar.
linguagem das nuvens
quando o coração
aprende a
linguagem das nuvens
o peito torna-se
prisão efêmera
da alma
que se torna
céu
29.4.14
alma
Desde aquele dia
em que a alma me fugiu,
semeio letras e traços,
palavras e espaços,
para que se perca
de volta para mim.
26.4.14
o inverno de dante
O inverno rugia uma promessa de tempestade. Nuvens de chumbo dançavam no céu noturno, ditando a fúria dos ventos gelados que castigavam a cidade. Tímidos trovões já começavam a mostrar as suas garras, estremecendo o céu pesado com o seu mau humor. A chuva estava próxima, eles conseguiam sentir isso na eletricidade fria que invadia o ar.
Dante e Beatriz estavam perdidos pela cidade. Perdidos um do outros e de si mesmos. O calor do espaço entre os seus corpos dissipara-se em um tempo distante, abrindo espaço ao frio que já lhes vitrificava o sangue do coração.
Ele lamentava o momento em que a deixou ir, sofria pelo instante em que não fora capaz de ser suficiente, de preencher o vazio que uivava naquela alma insondável. Ela lamentava ter partido, amargava pelo seu estado líquido, impossível de ser contido ou de pertencer. Mas essa era a sua natureza, ele não a amaria se fosse diferente. As suas almas queimavam, e o gelo da noite era o seu único consolo.
Dante caminhava sem rumo, pedindo ao céu que desabasse, que o dissolvesse em água escura que se perderia no rio, sem memória, sem passado, sem dor. Agradecia o frio que invadia a sua pele, a sua carne, que lhe penetrava os ossos como agulhas de inverno. O beijo úmido do vento gelado anestesiava a sua angústia, mas não era suficiente. Em desespero, arrancou a sua camisa e lançou-a ao vento. Dante precisava do frio, do gelo, queria ser o próprio vento do norte.
Os olhos da cidade o observavam com indiferença, e Dante sentia-se um fantasma pálido que vagueava sem destino. Deu por si na ponte, aquela ponte. Caminhou pelo estreio passeio de pedra gasta sem olhar para baixo. Quando os passos foram suficientes, parou, encostou-se ao guarda-corpo e olhou para baixo. Havia ali um rio. E uma memória.
22.4.14
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